Nas trilhas da invernada - Estórias da infância


By Hélio Rezende

Fico vendo o meu amigo Danilo contando as estórias da infância dele e me lembrei de uma. Comecei a pensar o que aconteceu de fato.

Lembro me que na década de 1960 eu morava em nossa casa simples, no sítio de meu pai na invernada – chamado de Sítio São Manuel das Invernadas. Cerca de três alqueires de terras encravadas entre matas e brejões de madeira, em cujos ribeirões pesquei muitos lambaris. Hoje, nem sei se ainda existem lambaris por lá.

Porquê invernada? Conta-se que a região era lugar onde se colocavam as vacas que recém terminaram o ciclo de lactação, para descansarem, até que estivessem aptas a dar nova cria e voltarem a produzirem leite novamente. De fato, a palavra de “invernar”, é para designar local de gado de engorda ou de descanso, no caso das vacas que pararam de produzir leite e aguardam um novo ciclo.

Podia ter uns 13 anos quando fui matriculado nas Escolas Combinadas de Torreões, hoje Don Justino José de Santana. À época, meu pai falava em cerca de 2 léguas, hoje medido pelo GPS, encontrei cerca de 8 km. Percorridos a pé e de vez em quando no lombo da bainha, égua muito esperta, pertencente à minha família.

O trecho, em boa parte composta de trilhas, por onde só era possível transitar a pé ou de cavalo. Possuía vários trechos compostos por matas, bordas de brejos, subidas e decidas, um deles conhecido como morro do soares. Recentemente, o meu amigo Danilo me disse que também é conhecido como morro do carvão.

O certo é que tal morro fica ao lado do sítio que pertenceu ao meu avô Raimundo Pinto, onde foi erguida uma pequena casa aos fundos do sitio, local em que meus pais foram morar e onde eu nasci.

Mas, deixando de enrolação... . Se não me falha a memória, o ano era 1968, eu e meu primo Sebastião Rezende que morava um pouco mais distante no Sítio do Gavião, pertencente ao meu avô Alcides Hércules de Rezende, fomos matriculados na quarta série em Torreões, na escolinha da professora Renê Banhato e, todos os dias, de segunda-feira a sexta-feira, lá íamos nós à escola. Chuva, sol ou geada, 5 horas da manhã lá íamos nós pelas sendas da invernada rumo a Torreões para entrar na sala de aula as sete. Tempos bons. Trilhos normais e sem sustos. Conhecíamos cada trecho. Caminho da roça.

E não é que houve sustos.

Não me lembro bem em que período do ano surgiu a notícia que o Simeão, filho da Dona Maria Joana, parteira muito conhecida na região das invernadas, fundão, lagoas e jurema havia ficado doido e que estava descontrolado e atacando as pessoas.

Meu pai mesmo, não está aqui para confirmar, mas disse que no trecho de Torreões ao Morro Grande ele, o Simeão, tentou embarcar no caminhão de leite, correndo e correndo, porém não conseguiu para o alívio dos ocupantes do caminhão.

À época, uma das opções para ir a Juiz de Fora era o caminhão que fazia a linha de leite Torreões a Juiz de Fora.

Pensem numa estória dessas. Trechos de estrada cheio de cavas, sem ter para onde correr. Ah! Porque pegar um menino de 13 anos na corrida, acostumado a correr atrás de vacas e cavalos nos pastos, sem chances.

Mas e o perigo! A gente pensava era encontra-lo em uma cava daquelas, como se diz lá na roça, de supetão e não ter para onde correr.

Para piorar, quando um dia nós chegamos em Torreões, pela manhã, e lá estava o Simeão de pé, onde hoje é a pracinha de Torreões, de costa para o coreto e olhando para o céu. Não aceitou água e nada que o ofereceram.

Dizia que estava vendo outro mundo lá em cima.

Gente. Pensa em dois meninos morrendo de medo, mas que continuou a fazer o trecho. Com muito medo, mas com muita fé.

Findamos o ano letivo, eu e meu primo Sebastião Rezende fomos aprovados, com honras nas notas, mas não nos medos que a vida nos proporcionou, principalmente no trecho do fundão.

Posteriormente, voltamos a estudar em Torreões e a fazer o mesmo trajeto, agora sem o Simeão, mas com as mesmas dificuldades.

Até a próxima.

 

 

 

 

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