Nas trilhas da invernada – Minha primeira infância

 By Hélio Rezende

Um dia desses recebi um WhatsApp de uma prima, acompanhado da cópia de uma foto, tirada pela câmara do celular, de quando era criança. Uma foto já conhecida e também um dos exemplares da única foto que tenho da minha primeira infância.

Na verdade, o que me chamou a atenção foi o estado de conservação da foto e a informação de minha prima de que estava escrito no verso, que à época eu tinha 1 ano e 8 meses. Tenho mais dois exemplares, porem em estado de conservação pior e sem a informação da idade.

Pela informação de minha prima pode se deduzir que foi tirada em março de 1957. Tal foto pertencia à família dela, cujo pai dela, o tio Ataíde, era irmão do meu pai. Imediatamente pedi para, que se não fosse guardar, se poderia me devolver. Ela prontamente se dispôs a devolvê-la e disse que o fará tão logo seja possa vir em minha casa.

Não tenho na memória de infância, onde e quando a foto foi tirada. Mas, me remeteu aos primeiros anos da minha vida. Pena que não tenho outras fotos da minha primeira infância. Pelo menos não as localizei até hoje. Pensei que tivesse alguma fotografia da minha primeira comunhão feita em meados da década de 1960, na igreja de Torreões, mas não apareceu até agora.

É que minha primeira comunhão foi feita junto com os alunos da minha madrinha Dulce, professora das Escolas Combinadas de Torreões e, à época, tenho quase certeza que algumas fotos foram tiradas. Mas, paciência né!

As lembranças dos meus primeiros anos de vida foram contadas pela minha mãe Maria. Ela sempre dizia que quando morávamos na casa que ficava nos terrenos do meu avô Raimundo, no sítio do fundão, meu Pai Jair plantou uma roça de milho e feijão e que de vez em quando, eu, só de camisa, tentava embrenhar no milharal a procura de meu pai. Creio que por volta dos meus 2 ou três anos, pois já andava sozinho e falava!

Não conheci meu avô Raimundo Pinto. Esses dias conversando com um vizinho, ele me contou que morou uns tempos no morro grande e me falou do dia em que meu avô perdeu uma das pernas, esmagada entre a carroceria do caminhão em que viajava e um barranco. Tal estória coincide com o que minha mãe Maria já havia contado.

É que meu avô, voltava de Juiz de Fora na carroceria do caminhão de leite em um dia de chuva, sentado sobre a carga e com uma das pernas para fora. Em dado momento o caminhão derrapou na lama da estrada de Torreões, a carroceria foi de encontro ao barranco, esmagou uma das pernas do meu avô. Para se locomover melhor passou a usar muletas e uma perna mecânica.

Da nossa mudança para a invernada não me lembro de nada. Só depois, já morando lá, me lembro de meu pai brincando comigo na cozinha de chão batido, construindo curral com pregos fincados ao chão. São lapsos de memória.

Lembro também da minha tia Tida (Gertrudes), que antes de se casar morava com a gente e que um certo dia ela me fez raiva e eu bati com martelo no dedo do pé dela. Lembro que foi aquele chororô. Acho que por isso ela tinha um pouco de raiva de mim. Enfim, eu era criancinha levado e sem juízo, no máximo 3 ou 4 anos.

Lembro também da comemoração do meu aniversário, creio que de cinco anos. Porém, muito pouco, somente da presença da minha madrinha Dulce e do doce de mamão que minha mãe fez. Uma delícia. Não lembro do bolo. Tinha outros convidados, poucos. Nem me lembro quem mais esteve lá, acho que meu avô Alcides.

Essas são as lembranças que tenho da minha primeira infância, tanto no fundão quanto na invernada.

Então com 5 anos comecei a acompanhar os meus pais, pelas trilhas da invernada.

Só para registro, o acesso a minha casa só era possível a pé ou de cavalo. Quando da época da colheita o carro de bois trazendo o milho, das roças plantadas pelo meu Pai Jair e seu irmão Mervirio, também conseguia chegar até lá em casa.

Anos mais tarde, para nossa surpresa, o motorista da prefeitura de Juiz de Fora, em uma Rural Willys tracionada, trazendo o Sr. Mourão, então Secretário Municipal de Educação, para uma visita à Escolinha São Manuel das Invernadas, também conseguiu chegar até nossa casa, fazendo o mesmo percurso do carro de boi.

Logo depois, visando atender aos moradores da região, a estrada que liga Humaitá de Minas à segunda ponte do Rio do Peixe, foi aberta definitivamente. Meu pai à época pediu e foi atendido, conseguindo com que a máquina que estava fazendo o serviço abrisse a estradinha de acesso à nossa casa, coisa de 800 metros. O que antes era trilho, agora era uma estradinha. Maravilha.

Meus primeiros passos com meu pai foram para a casa do meu avô Alcides quando ele ia lá visita-lo e para Torreões na garupa da Mantiqueira, a égua da família.

Como as terras da invernada eram insuficientes para produzir o total dos alimentos necessário ao sustento da família, meu Pai Jair e meu tio Mervirio, plantavam roças de meia nas terras de seu tio, chamado Felismino Trindade (o tio Trindade ou Tio Mimino como era conhecido), irmão do meu avô Alcides. O local era uma várzea, terreno plano e bem estercado, fértil, muito bom para a agricultura. Meu Pai Jair falava que nessa várzea anos antes, tinha sido um campo de futebol, desativado pelo tio Trindade, após uma briga generalizada depois de um jogo de futebol no local.

Por falar em tio Trindade, lembro que pelo menos em duas ocasiões ocorreram festejos na sede da fazenda, cujo nome era Fazenda Engenho da Boa Vista. Uma delas, seu aniversário, seguido de muitos comes e bebes, de um baile e de rodadas de carteado – marimbo. Em outra ocasião só um baile. Como era pequeno não passava da meia noite e já queria era dormir, mesmo com o som da sanfona. Mas era divertido.

Me lembro que em uma manhã de sol meu pai me chamou e disse: vamos lá ver a roça no Tio Trindade, também conhecido como Tio Mimino. Pés descalços, lá fomos nós. Viramos o morro pelas trilhas em direção a casa do meu avô, e depois em direção à plantação. Antes de adentrar à roça de milho e feijão tínhamos que atravessar um brejo, com água pelo meio da canela.

Tem outras experiências, outro dia eu conto, mas essa foi uma experiência única. Meu primeiro contato com as atividades do meu Pai Jair – lavrador.

É que até então devido à minha pouca idade eu ficava em casa com minha mãe e minhas tias. Aliás, duas delas foram morar em nossa casa após a morte do meu avô Raimundo Pinto: a tia Tida (Gertrudes) e a tia Silvana, minha primeira professora. Tempos depois também veio morar com a gente o Tio Zé Pintinho.

Ao adentrarmos na plantação, que maravilha! O milho já quase todo maduro e o feijão todo brotado, formando um tapete verdinho por entre o milharal.

Só para destacar, até o início da década de 1960, as estradas que cortavam a invernada, eram compostas de trilhos e trilhas. Alguns poucos trechos passavam carro de boi, em outros, em sua maioria, só a pé ou de cavalo.

Até a próxima.

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