Nas trilhas da invernada - Estórias que ouvi quando menino pequeno nas invernadas

 

Nas trilhas da invernada - Estórias que ouvi

 By Hélio Rezende

Lá pelos idos dos anos 60, não me recordo exatamente do ano, ouvi muitas estórias e lendas contadas pelo meu avô paterno e meu pai. Nasci no fundão e fui criado para as bandas das invernadas, onde vivi até os 15 anos de idade. O termo, invernadas, surgiu devido ao lugar ser uma região de descanso das reses. Após o ciclo da produção leiteira, eram levadas para invernar, daí surgiu o nome da região.

As estórias que ouvi eram passadas de pai para filho, algumas sem nunca terem sido escritas, pelo menos ao que eu me lembre nunca as haviam vistos ou lidas em livros. Em que pese a escassez de livros à época.

Pessoas simples que contavam estórias de já terem se encontrado com mula sem cabeça, lobisomem e saci pererê. Estórias de encontros com assombração e outras entidades que povoavam a mente das pessoas que viviam naquele interior, como um caso contado pelo meu pai de que em um determinado ponto de passagem no caminho para Toledos, onde a mata encontra o Rio do Peixe, após meia noite, um vulto montava às garupas dos cavalheiros que por ali passassem e os acompanhavam até a saída da mata.

Por essa época ouvi muitas histórias contadas pelo meu avô, como a lenda de Tarzan e Chita, de Simbad, o corajoso marinheiro e Príncipe de Bagdá, de Ali Babá e os Quarentas Ladrões, entre muitas outras. Estas sim possuíam livros, que meu avô, em suas horas de folga, lia.

Era raro, mas vez em quando, dormia na casa de vovô só para ouvir as suas estórias. Em épocas de frio, mal anoitecia e todos iam para a beira do fogão de lenha se aquecer, isto quando não era acesa uma pequena fogueira no meio da cozinha, cujo piso era de chão batido, com se diz lá na roça.

Que época de momentos inesquecível!

Por aquela época tomei minhas primeiras lições, ouvindo meu avô e meu pai a contar as suas histórias e causos.

Por essa ocasião, não tínhamos rádio e nem acesso a revistas e nem jornais, mas é claro que outras coisas eram ditas aos garotos, noticias passadas de boca em boca e às vezes distorcidas, acrescidas, fantasiosas.

Como a construção de Brasília e a mudança da capital para o interior do país. A época com sede na cidade chamada Guanabara, hoje Rio de Janeiro. A histórica conquista da Copa do Mundo de 58 na Suécia e as peripécias de Pelé e Garrincha, este o demônio das pernas tortas. Depois a conquista do bicampeonato no Chile, onde brilhou um tal de Amarildo.

E a política é claro.

 

Muitas outras histórias eram contadas pelo meu avô e meu pai. Predominava o princípio da oralidade. Como disse anteriormente, as histórias e os fatos da época eram passados de pai para filho e de pessoa para pessoa.

Me lembro também de ter ouvido as histórias de Jerônimo o herói do sertão, do Jeca Tatu e do Pedro Malasartes. Talvez em outro momento me lembre de outras histórias, mas por ora são essas.

Como já disse anteriormente não tínhamos acesso a rádio, revistas ou jornais. O personagem Jerônimo o Herói do Sertão nos chegou por obra dos contos/causos de meu avô e, conforme sua narrativa tratava-se de um cavaleiro misterioso e valente que enfrentava um poderoso Coronel da sua região à época, em defesa dos mais fracos.

Narrava meu avô, que um determinado Coronel Saturnino, de um lugar chamado Cerro Bravo, tinha fama de muito bravo, talvez daí tenha surgido o nome do lugar, que com seus capangas tomava as terras dos outros fazendeiros mais fracos, à força, alegando que suas escrituras eram falsas. Todos temiam o tal Coronel que fazia parte de uma organização, mas tarde identificada como “Mão Negra”. Todos o temiam. Mas Jerônimo era o justiceiro da região e que ao lado de sua noiva Aninha e do Moleque Saci, botava a capangada e o Coronel para correr a bala. Daí o nome de Jerônimo o Herói do Sertão.

Bem mais tarde fiquei conhecendo o personagem Jerônimo o Herói do Sertão por intermédio de almanaques e histórias em quadrinho.

Já Jeca Tatu chegou ao nosso conhecimento, à época, como o retrato de caboclo do campo (caipira), maltrapilho e preguiçoso, de barba rala e dos calcanhares rachado porque não gostava de usar sapatos. Além do mais era ignorante e não gostava de trabalhar e ainda por cima era tido como sujo.

Nos contos de meu avô todos tinham uma péssima imagem do Jeca, sentado o dia inteiro em um toco em frente ao seu casebre, bêbado e preguiçoso. Quando lhe perguntavam porque ele vivia daquele jeito, respondia:

 - Não vale à pena fazer coisa alguma! Bebo para esquecer as desgraças da vida.

Jeca Tatu vivia se queixando que sentia muito cansaço e dores pelo corpo.

Com tantos predicados negativos o personagem era utilizado para incentivar os meninos da época a comer bem, tomar banho, trocar de roupa, usar botas e a trabalhar para não serem comparados ao Jeca Tatu. Quando adoecíamos uma forma de obrigar a criançada a tomar o remédio, quando alguém resistia era perguntar. Você quer ficar igual ao Jeca Tatu?

Mas haviam outras histórias divertidas como a do Pedro Malasartes, estas as preferidas da molecada. E por falar em Pedro Malasartes aí vai uma das dele.

 

Quando chegou à idade escolar a mãe colocou Pedro Malasartes em uma escolinha para aprender o bcd, com se dizia lá na roça. Ele ainda argumentou que não queria ir à escola e tal, mas de tanto insistir acabou obedecendo a sua mãe.

E o diabo todos os dias via de longe o grupo de garotos passar pela trilha que ia dar na escola e certo dia resolveu se aproximar dos meninos. Para disfarçar se apresentou como um mendigo esfarrapado.

Ao encontrar o mendigo na trilha pedindo esmola o Pedro Malasartes foi logo dizendo para os demais:

- Olha lá aquele homem esfarrapado vamos lhe dar uma surra, para aprender a não pedir esmola.

E assim foi feito. Juntaram todos os garotos e aplicaram aquela surra no mendigo, que na verdade era o diabo disfarçado. De tanto apanhar o diabo teve de sair em disparada para não apanhar mais dos garotos.

Outro dia, estava indo o grupo novamente para a escola, quando avistaram um toco à beira da trilha. O Pedro Malasartes muito observador disse para os outros meninos:

- Eu nunca vi este toco aí nesse lugar antes! Vamos ver quem acerta mais pedradas nele?

Cada um juntou uma muntueira de pedras e começaram a atirar no toco, que na verdade era o diabo disfarçado. Depois de muitas pedradas os meninos foram embora satisfeitos e o diabo ficou ali todo esfolado devido às pedradas que levou.

Passado alguns dias e já recuperado das pedradas lá estava novamente o diabo caminhando tranquilamente pelas proximidades da trilha que ia dar na escola. Quando num determinado momento eis que aponta pela trilha o grupo de meninos e junto com eles lá estava Pedro Malasartes. Sem opção o diabo disse para si:

- Desta vez vou me transformar em um cavalo pastando este capim verdinho tranquilamente. Quero ver estes diabinhos me reconhecer!

E assim fez.

Ao se aproximar daquele cavalo ali pastando um dos meninos disse:

- Pedro. Olha que belo cavalo!

Pedro Malasartes então teve uma idéia:

- Estamos cansados de ir à escola a pé. Vamos montar neste cavalo para nos levar até a escola?

Então um dos meninos retrucou:

- Não dá Pedro! Somos muitos e aquele cavalo não aguenta todos nós.

Foi quando o Pedro teve uma idéia genial.

- Dá sim. A gente arranja um pedaço de pau bem grande e enfia embaixo do rabo do cavalo. Assim, aumentamos o tamanho dele e podemos ir todos montado.

Passado algum tempo lá chegou a meninada na escola montado no diabo.

Moral da história.

Com criança levada nem diabo pode.

 

Até a próxima

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