Nas trilhas da invernada - Os irmãos Rezende

Hoje visitei um cemitério! O de Torreões! Opsss! O que houve? Nada de anormal, apenas uma visita e precaução, um desejo, né!!!

É que estamos recuperando o túmulo em que estão enterrados minha Tia Cidica (Aparecida Rezende), meu Tio Mervilio (Mervilio Rezende) e meu Pai Jair Rezende, lá em Torreões.

Depois de alguns anos né! Mas a memória desses meus dois – tio e tia – merecem todos os meus respeitos. Ambos fizeram partes da minha infância e adolescência. E claro, meu pai. Tudo isso, me faz repensar o quanto todos eles foram importantes na minha vida.

Meu pai principalmente. Que mesmo depois de tantos anos, ainda é, e sempre será minha senda, minha luz, iluminando meus caminhos.

Não quero falar de morte. Mas de vida eterna. É que esses três personagens, embora mortos a alguns anos, permanecem vivos na minha memória e na memória e nos corações de seus filhos e filhas.

Assim, com esse início, veio à memória mais algumas lembranças boas.

Tia Cidica, casada com o Tio Tõem Minga (Sebastião Guimarães de Rezende) era uma pessoa de uma simplicidade sem par. Me lembro que das poucas vezes em que estive na casa dela, claro que para brincar com os filhos e filhas dela, meus primos, lá para as bandas da volta do Rio do Peixe, fui tratado muito bem.

Não esqueço do lugar, uma casinha simples, mas bem cuidada. Tio Tõem Minga cuidava das coisas da fazenda do Sô  Bebém – não sei o nome de batismo – depois para o Senhor Raimundo Guimarães e de um belo cafezal acima da casa. Hoje, virou mata fechada. Ainda bem né. Afinal a natureza está acima de tudo e quando esquecida se recupera rapidamente.

Tio Mervilio, irmão e sócio do meu pai. Amizade de irmãos. Um não abandonava o outro. Eram unha e carne. Histórias inesquecíveis. Não me lembro de nenhum evento em que os dois não estavam envolvidos.

Eram plantadores de milho, feijão e arroz. Na propriedade do Tio Trindade e depois no sítio das cachoeirinhas do Senhor Candido Fonseca, lá estavam os dois. Trabalhando de sol a sol.

Tinha o plantio do feijão das águas e o da seca. Eu explico. O feijão das águas era plantado junto com o milho, normalmente em setembro ou outubro, quando das primeiras chuvas de primavera e era colhido em janeiro. Este dava trabalho, quando da colheita. É que janeiro normalmente é chuvosos. Como o feijão, quando colhido ainda não estava 100% seco, ou seja, ainda permanecia com umidade e por isso era necessário colocá-lo ao sol para secar e retirar o restante da umidade.

Para isso, colocava se o feijão ainda na palha ao sol para secar. Como? Espalhava-o em um terreiro e o deixava ao sol. Só que em janeiro chove e aí qualquer ameaça de chuva a gente tinha de sair correndo para guardar a palha com o feijão em local protegido das chuvas, era aquela correria.

 O da seca era plantado embaixo do milho já com espigas maduras, em janeiro ou fevereiro e era colhido em maio, um pouco antes da colheita do milho. Este dava menos trabalho porque, embora com o mesmo processo, maio normalmente não é chuvoso. As vezes dava até para deixar a palha com o feijão dormir no terreiro para aproveitar ao máximo o sol.

Antes de prosseguir vale lembrar uma máxima que sempre ouvi desde menino pequeno nas invernadas: “O feijão só precisa de três águas: uma para brotar, outra para florir e por último uma para cozinhar.”

Quando da colheita de feijão era aquele trabalhão né! Era no mínimo duas semanas de trabalho. Primeiro para secar e depois para bater a palha, com varas flexíveis, normalmente de marmelo, para que os grãos fossem liberados. Retirada a palha só se via os grãos de feijão preto. Aliás uma delícia, foi criado comendo feijão preto e ainda hoje é meu predileto.

Próxima etapa era juntar os grãos e passa-los numa peneira para retirar alguma terra e a sobra das palhas. Uma vez limpo, estava pronto para ser consumido. Era serviço para mais de duas semanas.

Já a colheita do milho era mais simples. Bastava recolher as espigas e transportá-las em balaios feitos de taquaras para um ponto mais acessível ao carro de bois. E depois transportadas para os paióis.

Como a plantação era de meia meu pai ficava com a metade e o Senhor Candido Fonseca, por ser o proprietário das terras, com a outra, mas era uma divisão justa. O mesmo acontecia com o Tio Mervilio.

Colheita feita, milho e feijão, divisão da meia executada, balaio a balaio. Hora dos carros de bois entrarem em ação para o transporte. Feito o transporte do milho e do feijão guardado nos paióis e tuias, comida para o ano inteiro. Em agosto começava tudo de novo. O ciclo das plantações. Assim como o ciclo das flores, setembro e outubro.

O ciclo do plantio do arroz segue o mesmo modelo, única diferença é que o plantio ocorria em áreas úmidas, brejos. Após brotadas as sementes os córregos eram barrados para que a água alagasse o arrozal.

Após os grãos se tornarem maduros vinha a colheita com o corte das touceiras de arroz, que eram transportadas manualmente – nos ombros dos trabalhadores – e batidos em um jirau, para separar os grãos da palha. Depois de secado também ia para a tuia.

Agora os ingredientes do prato preferido dos brasileiros estavam completos – arroz, feijão e angu.

Importante lembrar que no sítio das cachoeirinhas havia uma casa, que antes tinha sido habitada, mas que na época estava sem morador e era o ponto de apoio do meu pai e do Tio Mervilio. Um amplo terreiro. Nos arredores, árvores frutíferas, como tangerinas, aliás uma das frutas mais gostosas que já provei, pena que não se acha facilmente por aí.

Ainda tinha uma árvore de maria preta – fruta silvestre parecida com jabuticaba – uma delícia. Dessa me lembro bem. Um certo dia parei de trabalhar e fui preparar o fogo para esquentar o café. Enquanto o café esquentava resolvi puxar um dos galhos para colher algumas frutinhas, só que para minha surpresa quando balancei o galho uma jararacuçu caiu em cima de mim. Que susto! Por pouco não fui picado. Ufa!

A sociedade do meu pai, com Tio Mervilio durou alguns anos e só acabou quando nos mudamos da invernada para Torreões. Mas amizade continuou

Até a próxima


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