Nas trilhas das invernadas - Ambiente rural
Ambiente rural
Nasci e cresci em um ambiente rural. Minha casa, simples,
porém confortável na medida do possível. Era rodeada de mato, pastagem e cheiro
de campo e natureza. Uma benção! À noite a luz da lua e das estrelas e em casa
a luz de lamparina. Os alimentos, todos naturais. As carnes conservadas na
própria banha do porco, sem geladeira.
Carne de vaca, como era conhecido lá, também era conservada
na banha de porco. Só que era muito raro aparecer.
Só vez em quando e mesmo assim, só no caso de que alguma
desavisada que se atolava nos brejos e morria, ou se aventurava junto às
pedreiras e rolava pedreira abaixo ou numa barranceira, ou ainda, quando pegava
alguma erva venenosa e morria. Mas, calma! A erva a que me refiro matava a rês,
mas não afetava a carne que podia ser consumida sem problemas.
As informações naquela época chegavam a conta gotas e pela
boca de outras pessoas, algumas mais esclarecidas outras como a gente mesmo. De
se esclarecer que toda informação depois que sai do seu emissor e passa de
pessoa a pessoa, quando chega aos destinatários já está completamente alterada e
por aí adiante, ou seja, seu teor já não é mais o mesmo de lá do início da
conversa ou da leitura.
Meu pai apesar de astuto não tinha conhecimentos suficientes
para separar o real do verdadeiro. Tão somente o certo do errado, o honesto do
desonesto, na medida do alcance de seu conhecimento. Isto para mim é o que
bastava, por isso sempre foi e é meu único ídolo.
Perdido nos confins das invernadas não tínhamos acesso a
informações – jornais, livros e revistas. Rádio, muito tempo depois. Ou seja,
não tínhamos informações e nem discernimento suficientes para avaliar muitas
das situações que nos chegavam, como por exemplo uma situação política.
Meu pai sempre sonhava com a abertura das estradas da região
para melhorar o deslocamento. Sonhava em adquirir o terreno vizinho ao nossos.
Que para além de expandir a nossa propriedade, segundo meu pai, também
possibilitaria o acesso a água suficiente para construir um pequeno moinho
d’água.
Hoje, com todo respeito que tenho pelo meu pai – ainda hoje
meu único ídolo – não vejo condições técnicas para a construção desejada.
Simplesmente por não ter queda de água suficiente que possibilitasse tal
construção. Ainda que se erguesse uma barragem as águas invadiriam terras vizinhas
o que inviabilizaria a empreitada.
Pelos idos da década de 1960 corria um boato a boca pequena
de que seria implantado no Brasil um tal de comunismo. E o que seria esse tal
de comunismo? Ninguém sabia explicar direito. As parcas informações eram todas
desencontradas. As que mais apareciam eram de que o novo governo que seria
implantado, com o tal do comunismo, iria confiscar as terras de todas as
pessoas e redistribuir para outras – em síntese, uma reforma agrária à força.
Ora, nós tínhamos três alqueires e meio de terra! O que teria para confiscar ou
dividir? Mas meu pai se preocupava. Se perdeu sono eu não sei.
Já naquela época, década de 1960, pelo que me lembro, o
assunto sobre política já era polarizado. À época tínhamos três partidos
fortes: UDN – União Democrática Nacional, PSD – Partido Social Democrático e
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro. Ainda um pouco antes, na década de 1930/1940
tínhamos a ANL – Aliança Nacional Libertadora e outros partidos, mas sempre polarizado.
Então como estranhar a polarização política que vivemos
hoje! Se ela sempre existiu!
Quando estourou a revolução de 1964 todos ficaram preocupados.
As notícias era de que comboios de soldados partiram de Juiz de Fora em direção
ao Rio de Janeiro. Haveria guerra e vários soldados do exército eram conhecidos
das famílias de Torreões. O que tranquilizava era que a tal revolução era para
que não fosse implantado o tal do comunismo no Brasil. Ufa! Aí as terras não
seriam mais confiscadas e redistribuídas.
Logo veio os governos militares e aí se tranquilizou mais.
Por essa época eu tinha uns 9 anos, claro, não participava
das conversas dos mais velhos. Quando chegava uma visita lá em casa os meninos
e meninas eram proibidos de irem à sala, exceto a minha irmã Acilda que ia até
a sala quando a visita era o Senhor Candido Fonseca, isto porque ele era o
padrinho dela. Então ela era autorizada a ir tomar a sua benção. Aí a gente se
esgueirava pela salinha para dar uma espiada no visitante, e quem sabe ouvir um
pouco da conversa.
Só assim era possível obter alguma informação. Mas vez em
quando a orelha queimava com um puxão. E éramos expulsos para o terreiro.
E assim vivíamos. Longe de tudo e restrito ao ambiente
rural. Cuidando das plantações, dos animais e preso às rotinas do ambiente.
Meu trabalho além de frequentar a escola era, reunir as
vacas para a ordenha, buscar a eguinha no pasto, limpar o pasto – nem sempre
dava conta sozinho e precisava de ajuda para completar a limpeza – na época da
seca, cortar capim e cana para alimentar as vacas, descascar e debulhar o milho,
levar o milho para o moinho e depois buscar o fubá. Ainda era minha obrigação
arrumar a lenha para o fogão além de muitas outras que aparecesse.
Ainda ajudava meu pai e minha mãe em outras tarefas que eu
desse conta. Afinal, só tinha 9 anos.
Até a próxima.
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