Entre flores e livros. Primeira metade dos anos 1970.

 


O ano de 1970 ficou deveras marcado em minha trajetória de vida. Não que o período tivesse sido uma marca definitiva, mas, talvez tenha sido o ano do click, da virada de chave.

Ainda não tinha me dado conta, mas, hoje avaliando os acontecimentos da época posso dizer que de fato 1970 foi o momento em que me dei conta desse marco. Com 15 anos, cursando o ginásio, era assim que era designado, novos horizontes, ainda que tênue começaram a se apresentar.

O ano de 1970 em si não trouxe grandes realizações. Ano de copa do mundo e o Brasil seria tricampeão naquele ano.

Porém, pela primeira vez saíamos da rotina do campo para uma outra realidade, a do comercio. É que em meados daquele ano, ainda no primeiro semestre, meu pai adquiriu uma venda em Torreões, a venda do Geraldinho Esteves. Um pequeno comércio varejista de secos e molhados, mais secos do que molhados, combinado com boteco.

Com a mudança do sítio da invernada para Torreões, posso dizer que essa foi a primeira das decisões de meu pai que viria a transformar a minha vida e da minha família para sempre.

Toda mudança é sempre uma decisão de profundas mudanças e a mudança da família da invernada para Torreões não seria diferente. E de fato não foi.

O comércio começou bem, porém meu pai não tinha vocação para o comércio, principalmente um comércio de varejo, misturado com boteco. Tampouco eu também tinha tal vocação, o que veio a se revelar mais tarde. Não demorou muito e ele foi se cansando da rotina de estar detrás de um balcão atendendo as pessoas. Tanto que, se não me falha a memória ficamos com a venda somente por cerca de três anos.

Contudo, naquele período da primeira metade dos anos de 1970, foi muito importante para que eu refletisse qual caminho queria dar à minha vida.

Inicialmente prossegui com o ginasial na escola Don Justino José de Santana, ainda hoje com esse nome, porem em outro local. Agora, bem na chegada e Torreões.

Naquele período, fiz um pouco de tudo. Estudei, voltei à invernada para plantio de milho e feijão e para limpar o pasto, ajudei meu pai na venda e fiz alguns bicos, para ganhar algum dinheiro.

Período de trabalho, mas bem divertido. Por essa época eu já acompanhava o time de futebol do Torreões e até jogava no segundo quadro, mesmo sendo perna de pau. Fins de semana sempre uma pelada no campo de Torreões e algumas farras, principalmente lá pras bandas da fumaça.

Em 1971 trabalhei de cobrador do ônibus de Torreões sem carteira assinada. O ônibus à época pertencia à Viação Santo Antônio de propriedade do Sr. Gildo Leonel. O motorista? Meu falecido tio Adilson. Desse período me lembro de uma passagem que me deixou bastante marcado.

Certa vez, não me lembro em qual mês, talvez setembro/outubro de 1971, meu tio Adilson que era o motorista do ônibus de Torreões pegou caxumba – doença que poucos conhecem – pois em virtude das vacinas, penso que hoje se encontra erradicada. Mas é uma doença que ataca os gânglios do pescoço e se não ficar de repouso, em homens, pode descer para os testículos.

Logo que pegou a doença, meu tio ficou uma semana de repouso – desesperado, inquieto. Naquela semana quem dirigiu o ônibus foi Nenzinho – não sei o nome correto dele até hoje – lá de Monte Verde. No final de semana seguinte como meu tio já estava melhorando não seria mais necessário o Nenzinho continuar a conduzir o ônibus, sendo dispensado de tal tarefa.

Aliás, vez em quando encontro o Nenzinho ali pras bandas do bairro Teixeiras. Certa vez até relembramos dessa estória.

Para quem não conhece a estória completa o Nenzinho é irmão do Jorge vovô e do Jaime, todos de Monte Verde e que trabalhavam para o Gildo Leonel, dono da Viação Santo Antônio, que fazia a linha de Torreões e de Monte Verde. Completando, os três jogavam muita bola, principalmente o Nenzinho.

Naquela época não havia ônibus da linha de Torreões aos domingos, portanto, ficávamos de folga. No sábado, como estava melhorando da caxumba, meu tio resolveu sair para caçar. No domingo a tarde a doença piorou e ele não tinha condições de conduzir o ônibus até Juiz de Fora na segunda-feira e na semana seguinte.

Podia ser umas sete horas de domingo, aí começou. Alguém está indo para Monte Verde? Precisamos avisar o Nenzinho para que ele venha fazer a linha Torreões x Juiz de Fora na segunda-feira. Não apareceu ninguém. Sobrou para quem? Pro Hélio.

Já era mais de 8 horas da noite lá vamos nós de cavalo pelas estradas de Torreões para Monte Verde se borrando de medo para buscar o Nenzinho, porque a linha de ônibus teria que funcionar na segunda-feira. Foi uma aventura. Domingo à noite estrada deserta só grilo e vagalume. Uma lamparina acesa com sua luz tênue e vacilante, aqui e acolá. Encolhidinho em cima do arreio lá foi eu. Eu e Deus pela estrada até Monte Verde.

Recentemente participei de algumas caminhadas pelo trecho e toda vez me lembro dessa passagem de minha vida. Das agruras que tive de passar para chegar até os dias de hoje.

E para encontrar o Nenzinho lá em Monte Verde? Depois de um tempo o encontrei, falei com ele e aí ele me disse. Ok! Vou amanhã de manhã bem cedo, lá pelas sete da manhã estarei lá. Isso já era umas dez horas da noite.

Lá veio o Hélio de volta se borrando de medo. Cheguei em Torreões quase meia noite. Que domingo! Que noite! Que jornada! Mas estamos aqui, firme e forte.

Na segunda-feira logo de manhã o Nenzinho chegou em Torreões e fizemos a linha normalmente. Ao chegar na garagem avisei ao Sr. Gildo que não mais iria trabalhar como trocador do ônibus de Torreões. Ele me perguntou porquê? Respondi que eu e meu tio Adilson havia nos desentendidos e que não seria mais possível trabalhar com ele.

Meu tio era uma pessoa de difícil trato. Como ele havia dito para mim umas coisas muito sérias e até fez algumas ameaças, ficamos um bom tempo sem se falar.

Em 1974 fui para o exército, cumprir o serviço militar obrigatório, onde permaneci por 10 meses – de 15 de janeiro a 15 de novembro, quando dei baixa.

Depois que saí do exercito ainda permaneci em Torreões por mais um tempo, mas já havia tomado uma decisão. Iria caçar meu rumo. Por essa época, meu pai já havia desfeito da venda, porém a família permanecia morando no mesmo imóvel.

Na primeira metade dos anos de 1970 estava em moda as pessoas irem tentar a vida em São Paulo, ou em Volta Redonda na CSN. E até mesmo em Ipatinga, na Usiminas. Cheguei até cogitar em ir para um desses lugar, tentar arrumar emprego. Acho que por influência de minha família e por falta de recursos, acabei não partindo para essas aventuras.

Em 1975 comecei a ir mais vezes a Juiz de Fora com o objetivo de arranjar um emprego. Tarefa difícil para quem tinha oficialmente somente a quarta série e nenhuma formação profissional. As cartas de bom comportamento e de apresentação expedida pelo exército de nada serviram.

Penei um bom tempo batendo de porta em porta em busca de serviço e sempre esbarrava na seguinte pergunta, creio de conhecimento de muitos: qual a sua experiência? Eu que nunca tinha trabalhado profissionalmente não tinha como apresentar qualquer experiência.

Arrisquei trabalhar com fotografia, período em que conheci o Rio de Janeiro. Depois, tentei trabalhar como vendedor de loja e vendedor externo, sem sucesso.

Por fim, acabei aceitando voltar a trabalhar de cobrador de ônibus, nas linhas de ônibus de Santa Cruz e de Benfica. Agora com a carteira assinada. Não era grandes coisas, mas já era um começo e de fato foi. Daí em diante não fiquei mais desempregado.

Até a próxima.

 

 

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