Nas trilhas da invernada - Saudosismo
Saudosismo
Ontem faltou energia em vários pontos de Juiz de Fora,
incluindo aqui no bairro. Ficamos sem energia até por volta de 20:30. Em vez de
ver televisão eu e meu filho ficamos no sofá conversando.
A falta de energia não é nada agradável, principalmente
nestes dias de calor intenso em que precisamos do ventilador ligado. Mas me
lembro de que certa vez lá no Vale do Ouro, onde tínhamos uma granja, quando lá
chegamos numa sexta-feira faltava energia na região. Mas era noite de lua. Logo
nosso vizinho se aproximou e ficamos reunidos, tomando um “drink”, conversando e
contando causos. Ficamos assim umas quatro horas e nem vimos a hora passar.
Aliás, a televisão e o celular tiveram o dom de acabar com a conversa em
família, de fazer com que as pessoas não desenvolvam o saudável hábito de ler.
Só para citar algumas desvantagens.
Mas com a conversa entre eu e meu filho me veio à memória os
anos em que vivi na roça, lá no sitio São Manuel das Invernadas, sem luz
elétrica, sem televisão, sem nada. À noite o que havia era a luz de lamparina a
querosene dentro de casa. Que além de iluminar os cômodos da casa, também
servia para iluminar a mesa utilizada para, dentre outras coisas, para que
fizéssemos os deveres escolares.
Enquanto isso lá fora o que reinava absoluta eram as luzes
das estrelas e do luar, isso quando não estava nublado.
Não tínhamos televisão, nem geladeira, somente um rádio a
pilha e mesmo assim quando as pilhas esgotavam a carga ele ficava parado por algum
tempo, até que um novo conjunto de pilhas, no total de quatro unidades, fosse
adquirido. No mais era só conversa e mesmo assim por poucas horas. Isso porque
entre vinte e vinte e uma horas todos já estavam em suas camas e pronto para
dormir. Afinal, às cinco da manhã, se não todos, mas a maioria já estava de pé
e se preparando para a labuta do dia a dia.
É que na roça as coisas funcionam um pouco diferente. Lá se
levanta bem cedo para realizar as tarefas do dia a dia, tipo cinco horas já se
está de pé. Por conseguinte, tudo o mais se adianta durante o dia. Café da
manhã as seis horas, almoço as dez, um café com broa as treze horas, janta as
dezesseis e um reforço alimentar, que lá na invernada ocorria por volta de
vinte horas, normalmente um leite com angu e logo em seguida cama. Claro que
havia algumas variações de família para família. Mas, no mais, essa era a
rotina do camponês. Creio que ainda deve ser assim mesmo até os dias de hoje.
Em épocas frias de outono e inverno o frio pela manhã era
intenso e exigia muito esforço para sair da cama as cinco horas da manhã. Me
lembro que meu pai me chamava umas duas vezes, na terceira ele me dava um leve
tapa na testa e falava. Levanta menino! As noites também eram frias e por isso a
meninada apinhava próximo ao fogão de lenha, ou em torno de uma pequena
fogueira acesa no meio da cozinha com piso de chão batido que aquecia a casa
toda.
Já em épocas de temperaturas amenas e quentes a frequência
era em um pequeno gramado, cerca de uns 100 metros quadrados de grama caipira.
Ali sentávamos para apreciar o início da noite, o cheiro forte das flores
silvestres que abundavam as redondezas; caneleiras, manacás entre outras
espécies nativas da região. À tarde também era possível ouvir o zumbido das
abelhas em seu vai e vem na busca de coletar o néctar das flores e por tabela
polinizar as espécies, dando mais vida ao sertão.
Outras companheiras do entardecer no sertão das invernadas eram
as cigarras, com seu canto estridente, interpretado pelo sertanejo como sendo
seu clamor pela chegada das chuvas, necessárias para o florescer do sertão. Tenho
muito orgulho de um dia ter sido um sertanejo, um camponês, personagens com os
quais me identifico até hoje. Alguém pode até questionar sobre o termo
sertanejo, utilizado por mim neste texto. Mas é que o sertanejo é todo aquele
indivíduo que vive no sertão, longe da costa e dos grandes centros, não
importando se no Nordeste, no cerrado, no Norte, no Sul, ou em quaisquer outras
regiões do Brasil e das Minas Gerais.
Me lembro que em dias chuvosos de novembro, dezembro e
janeiro haviam períodos de duas e até três semanas sem poder sair de casa,
devido às chuvas prolongadas durante o dia e à noite. Logo, o único jeito era
permanecer entocado dentro de casa. As chuvas eram de tamanha intensidade que encharcavam
o chão de tal modo que de tão saturado começavam a surgir pequenas minas pelo
terreiro. Uma farra para a criançada.
Votando a falar do pequeno gramado. Ali sentados eu, meu pai
e minhas irmãs apreciávamos as belezas e os sons do entardecer, assim como a
visão das sombras noturnas a se aproximar. O céu estrelado derramando suas
luzes sobre a terra e o luar em todo seu esplendor. Tudo refletido em um clarão
maravilhoso sobre o sertão das invernadas. A luz da lua e das estrelas em todo
o seu esplendor, refletidas sobre o sertão das invernadas, pura e sem as
interferências e os reflexos das luzes artificiais que hoje, devido à
quantidade e a força proporcionada pelas tecnologias, chegam a interferir com
seus reflexos, na beleza do universo.
Tive a oportunidade de perceber toda a magnitude da beleza
do universo, quando certa ocasião, pescando, à noite, no interior do pantanal mato-grossense
parei de pescar por um longo tempo para olhar o céu e pude observar todo o
esplendor da beleza do universo, coalhado de estrelas, milhares das quais que
não conseguimos ver quando observamos o céu, próximo a cidades devido a
iluminação noturna. Não demorou muito tempo e a lua deu as suas caras, linda
maravilhosa. Diante daquele visual indescritível do milagre da natureza, voltei
aos tempos da minha infância ali sentado no gramadinho, junto do meu pai e de
minhas irmãs, observando a beleza do céu das invernadas.
São imagens que não me saem da lembrança. Vez em quando alguém
brinca comigo dizendo que eu saí da roça, mas a roça não saiu de mim. Ao longo
dessa crônica eu sempre me referi á invernada, mas bem que poderia ser qualquer
outro lugar que esteja afastado dos grandes centros e onde vive o sertanejo, o
camponês.
Antes de terminar, gostaria de lembrar uma fala que meu pai
sempre repetia. Sentados ali no gramado e olhando para o horizonte, à frente,
em noites escuras e sem luar, era possível observar um clarão no horizonte que
meu pai sempre dizia se tratar dos reflexos das luzes do Cristo Redentor de
Juiz de Fora. De fato, a direção de onde vinha tal clarão parecia ser de Juiz
de Fora. Naquela época eu não tinha a menor noção de qual era a direção certa
de Juiz de Fora, daí nunca houve questionamentos se a procedência de tal clarão
seria mesmo das luzes do Cristo Redentor de Juiz de Fora.
Hoje, no entanto, penso que as luzes daquela época
instaladas no Cristo Redentor de Juiz de Fora não teriam forças suficientes
para produzir um clarão possível de ser visto a mais de 40 quilômetros. Além do
mais, hoje, com melhor entendimento posicional creio que o tal clarão estava
mais em direção a Humaitá, Igrejinha e Benfica. Como meu pai não está mais aqui
hoje para gente conversar, mesmo não concordando, permaneço acreditando no que
ele disse sobre o tal clarão.
Era de fato uma visão incrível. O anoitecer, as sombras da
noite se aproximando, as estrelas e o luar. Creio que ainda hoje, seja possível
observar de lá, toda essa maravilha, embora toda a motivação e o gramadinho já
não existem mais.
Até a próxima.
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